quinta-feira, 22 de novembro de 2012

O Pizzaiolo


Por Pedro Machado Ribeiro Neto

09/11/10

 

Era um dia de estágio como outro qualquer; tudo poderia acontecer ali. Estava no pátio da “curta permanência”, exatamente no centro onde há estrutura coberta que abriga uma sinuca em más condições. Um dos usuários – assim como vários outros que já vi por ali – apareceu no pátio com aquele característico cobertor escuro do hospital rasgado enfiado na cabeça, e molhado pela água dos vasos sanitários, segundo um dos vigilantes. Era um homem alto, forte, pele clara, que devia ter na época uns 35 anos.

Dirigiu-se a mim, e o vigilante que sempre ficava por ali me alertou, com gestos, da possibilidade dele me agredir. Eu estava encostado na pilastra de madeira com as mãos para trás, e assim me mantive quando ele se aproximou. Permaneci com as mãos para trás, sem nenhuma possibilidade de reação ou defesa imediata. Ele veio e começou a falar algumas coisas que eu não entendi. Não de forma hostil, mas com discurso a mim incoerente. Porém, havia algo nele que me passou confiança.

Com os dias, o estado de surto em que ele se encontrava foi amenizando. Naturalmente, nossos encontros ali foram se ampliando. Certa vez, tinha me dito que era pizzaiolo, mas eu não acreditei, achei que fosse coisa da doideira dele. Mas não, eu estava enganado. Ele realmente trabalhava fazendo pizza.

Uma vez, cerca de três semanas depois do nosso primeiro contato, eu estava sentado em um dos bancos do pátio, distante da sinuca; havia acabado de chegar e conversava com algumas pessoas. Foi então que ele passou indo na direção da sinuca, acompanhado de uma mulher; quando ele me viu, retrucou, desviou seu caminho e voltou em minha direção. Apresentou-me à sua esposa, demonstrando certo tom de alegria e agradecimento; ficamos ali conversando por alguns breves minutos, sobre vários assuntos inclusive sobre maneiras de se fazer uma pizza; foi quando pude perceber que ele realmente tinha uma pizzaria.

Ele não me agradeceu verbalmente nem disse estar feliz. Nem precisou. Ele estava saindo de alta. Nossa linguagem gramatical é limitada para expressar a totalidade e complexidade de afetos envolvidos nos encontros. Quem sabe, quando for à Guarapari com minha esposa e meus filhos, possa ter a felicidade de entrar em sua pizzaria e então ordenar uma pizza, que com certeza ficará uma delícia... ele me passou a sensação também de ser um excelente pizzaiolo.

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