quarta-feira, 19 de setembro de 2012

A fonte



No alto de um belo monte existia uma fonte. Muitos andarilhos e viajantes nômades passavam por ela - e contavam com ela - para se refrescar e continuar a viagem.

Certo dia, um destes andarilhos teve uma ideia: resolveu ficar por ali, e construíu uma cerca em volta da fonte, impossibilitando o acesso. Construíu ali também sua morada, e começou a constituir família.

Certa noite, um dos andarilhos viajantes que por ali passava, acostumado com a fonte, se intrigou com o acesso impedido pelas cercas. Mesmo assim, resolveu entrar, pois pensou, a fonte era pública. Encucado com as barreiras criadas para impedir que as pessoas tomem a água, ele ficou encantado com a ideia do primeiro viajante, de contruir ali uma habitação. Como não havia pensado nisso antes - disse ele - uma fonte bsó minha! Assim, matou o primeiro morador também toda a família, ficando assim com o terreno.

Considerando como valioso aquele pedaço de terra, passou a colocar duas cercas, e pôs também espinhos, para dificultar o acesso.

Como se sabe, nada disso adiantou, pois não existem barreiras que impeçam um viajante sedento, de beber água. Sempre vinha um, sobrepujava as barreiras e tomava o local. De tanto embate, a fonte se estragou, e os viajantes - os que não morreram de sede - tiveram que ocupar um outro local para se refrescar. E a casa da fonte ficou desabitada.

A médica cara de madeira

Consulta médica em certa maternidade em Vitória, fazer o exame do olhino no meu filho recém nascido. A médica, antes de inciar os atendimentos, reúne os poucos pais ali presentes, havia umas sete famílias, orientando que, antes de serem chamados e entrarem no consultório - que deveria ficar escuro para o exame, era importante que os pais acalmassem os bebês, deixando-os desestressados, dando de mamá, acalmando, essas coisas.

Primeira questão: que pai que uma hora ou outra, iria deixar de fazer isso? Quem diabos, dona médica, vai deixar o pobre coitado do garotinho que acabou de nascer, estressado, cabruco?

Tá. Todos os seis pais entraram e saíram, parace que sem nenhum problema. Éramos os sétimos, e havia chegado nossa vez. Chegando lá, a médica orienta nosso posicionamento naquele consultoriozinho escuro: pede para que a mãe segurasse pela parte das pernas, e eu ficasse prendendo as mãos dele junto à cabecinha, enquanto ela abriria os olhinhos dele e realizaria o exame. Pelos menos, tentaria. Até fazer isso, demorou um bocao, mexeu nele prá lá e prá cá, e é claro que ele - um recém nascido, ora pois - ficou estressado.

Obviamente, a meu ver, mesmo com o exame tendo dado certo com os pais anteriores, imaginei, desde o início, que aquela porra não ia dar certo. Em vez dela chegar e fazer a droga do exame logo, ficou cheia de churumelas, uma frescurada intangível e obsoleta que, por fim, o moleque obviamente acordou, disparou a chorar, e nada de abrir os olhinos. Parece que fez de propósito.

Tentamos novamente, e nada. A profissional ainda nos questionou se a gente não havia ouvido suas recomendaçõe sinciais, se a gente não havia seguido seus passos para deixar o bebe desestressado. Ora pois.

Assim, ela nos orientou que marcássemos para um mês depois um novo exame.

Até parece, se houvesse algum compromisso com a saúde dele, certamente iria ser marcado para um dia ou outro depois, ou semana que vem, mas não, ela marcou, com a maior cara de todas as madeiras das florestas que ainda permanecem, a consulta para o mês que vem.

Por causa do cartão unimed, que só passaria de novo, um mês depois.

É lógico que não voltamos para repetir a presepada prosopopeia.

O exame foi realizado, alguns dias depois, pela pediatra dele, tranquilamente em seu consultório, sem nenhuma daquelas coisas que a outra fez, para dar errado do exame.

Ressalto que, a família que foi atendida depois de nós, também não conseguiu realizar o exame. Vejamos a média: de oito exames, dois são repetidos.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Os eus

Machado de Assis escreveu um texto intitulado "o espelho", um conto sobre um moço que, lá pelo final do século 19, havia sido nomeado para a guarda local. Nisso, foi convidado pela tia para ir passar com ela alguns dias no interior. Na casa, não era chamado pelo nome, mas "Sr. alferes", por todos, parentes, agregados e escravos. Eis que um dia, quis seu destino, se viu sozinho naquela casa, permanecendo nessa condição por mais dias, que pareciam meses. Ele, sem ninguém para chamá-lo de Sr. alferes, foi perdendo a identidade social construída pelos outros, se desconfigurando e ameaçando a auto-imagem, perdendo-se de si próprio.

O conto é muito legal, mas eu penso o seguinte: o processo inverso também é verdadeiro, ou seja, pode ser que, em um ambiente com muitas pessoas, acaba que a gente perde nossa individualidade, perde a possibilidade daqueles momentos em que a gente se encontra a sós conosco, e podemos então, entre nós, nossos eus, formar nossa identidade, mesmo que pessoal - mas acredito que ainda social - sem interferência de ninguém.

Levante

 Na sua palavra eu cuspo o A é minha Lei