Por Pedro Machado
Ribeiro Neto
09/11/10
Era um dia de estágio como outro qualquer; tudo poderia acontecer ali. Estava
no pátio da “curta permanência”, exatamente no centro onde há estrutura coberta
que abriga uma sinuca em más condições. Um dos usuários – assim como vários
outros que já vi por ali – apareceu no pátio com aquele característico cobertor
escuro do hospital rasgado enfiado na cabeça, e molhado pela água dos vasos
sanitários, segundo um dos vigilantes. Era um homem alto, forte, pele clara,
que devia ter na época uns 35 anos.
Dirigiu-se a mim, e o vigilante que sempre ficava por ali me alertou, com
gestos, da possibilidade dele me agredir. Eu estava encostado na pilastra de
madeira com as mãos para trás, e assim me mantive quando ele se aproximou.
Permaneci com as mãos para trás, sem nenhuma possibilidade de reação ou defesa
imediata. Ele veio e começou a falar algumas coisas que eu não entendi. Não de
forma hostil, mas com discurso a mim incoerente. Porém, havia algo nele que me
passou confiança.
Com os dias, o estado de surto em que ele se encontrava foi amenizando.
Naturalmente, nossos encontros ali foram se ampliando. Certa vez, tinha me dito
que era pizzaiolo, mas eu não acreditei, achei que fosse coisa da doideira
dele. Mas não, eu estava enganado. Ele realmente trabalhava fazendo pizza.
Uma vez, cerca de três semanas depois do nosso primeiro contato, eu estava
sentado em um dos bancos do pátio, distante da sinuca; havia acabado de chegar
e conversava com algumas pessoas. Foi então que ele passou indo na direção da sinuca,
acompanhado de uma mulher; quando ele me viu, retrucou, desviou seu caminho e voltou
em minha direção. Apresentou-me à sua esposa, demonstrando certo tom de alegria
e agradecimento; ficamos ali conversando por alguns breves minutos, sobre
vários assuntos inclusive sobre maneiras de se fazer uma pizza; foi quando pude
perceber que ele realmente tinha uma pizzaria.
Ele não me agradeceu verbalmente nem disse estar feliz. Nem precisou. Ele
estava saindo de alta. Nossa linguagem gramatical é limitada para expressar a
totalidade e complexidade de afetos envolvidos nos encontros. Quem sabe, quando
for à Guarapari com minha esposa e meus filhos, possa ter a felicidade de
entrar em sua pizzaria e então ordenar uma pizza, que com certeza ficará uma
delícia... ele me passou a sensação também de ser um excelente pizzaiolo.
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